sábado, 16 de junho de 2007


Não se trata aqui de fazer jabá para a Revista Bizz, mas foi graças a ela que, na minha adolescência, tomei contato com uma porção de grupos bacanas como R.E.M., Jesus and Mary Chain, The Smiths, The Cult, Siouxsie and the Banshees, Dead Kennedys, Picassos Falsos, Fellini, Violeta de Outono, entre tantos e tantos e tantos outros. O mesmo seu deu com o De Falla. Sempre fui (e ainda sou) leitor da revista, porém, na segunda metade dos 1980 não havia as possibilidades infinitas que uma ferramenta como a internet permite, hoje, para que aficcionados por música, como eu, tentem, minimamente, se atualizar em termos de bandas e gêneros musicais. O que havia, caso você quisesse algo que fugisse do mainstream, eram o programa “Som Pop” da TV Cultura, uma ou outra crítica de jornal e a Bizz. A primeira vez em que li algo sobre o De Falla foi na edição de fevereiro de 1988, que apresentava como reportagem principal o “Prêmio Bizz – Melhores de 1987”. O álbum “De Falla” e a canção “Não Me Mande Flores” estava nas listas da quase totalidade dos críticos que, então, elegeram os melhores do ano anterior. Claro que aquilo aguçou minha curiosidade, afinal vários daqueles críticos já haviam destacado, ao longo de mais de dois anos na Bizz, uma porção de bandas que acabou fazendo parte da minha discoteca. E por que em relação ao De Falla seria diferente? O fato é que não demorou muito para eu conseguir encontrar o tal álbum em uma excelente loja de vinil que havia em Araraquara (cidade que cresci e vivi até os 30 e poucos anos) chamada Chanton (essa loja também foi muito importante para a minha iniciação em termos de boa música), e que, hoje, óbvio, não existe mais. De posse do álbum, que tem uma capa estranha e bacana, e que também por isso anunciava que dali poderia sair muita coisa boa (ou você nunca comprou um disco pela capa?) e uma contra-capa tão bacana quanto à capa, fui direto na tal “Não Me Mande Flores”, anunciada em verso e prosa como uma das melhores canções de 1987. Amor à primeira audição. Um cara, de saco cheio de uma fulana, quase que implora para ela largar do seu pé “Não me mande flores/Pare de bater no interfone/ Eu não preciso do seu amor/ Pare de me torturar, não ouse me ligar/Eu não preciso do seu amor”. E como se não bastasse, berra, várias vezes, em português errado, mas devidamente licenciado poeticamente, “Eu não amo você”, isso tudo regado à uma deliciosa guitarra e uma intensa bateria. Essa canção é apenas uma amostra do que é o disco “De Falla”. Remando contra a maré da obviedade que, como sempre, invadia as rádios e emissoras de tv, o De Falla construiu um álbum que se configurou para a época algo tão improvável quanto uma cópula entre Jason e Mary Poppins. O disco é uma metralhadora giratória atirando – e bem – para tudo quanto é lado: rock, punk, hard-rock, heavy metal, hip hop, funk, noise e alguns eteceteras. Repleto de microfonias, vinhetas, ruídos estranhos e tendo por base letras ora desprovidas de coerência ora extremamente lógicas, o álbum começa com o rock swingado de “Ferida” (“Ai como dói a faca que me rasga o peito”) e “O Qué Icho”. Ainda são do lado A três das melhores canções, não só da banda, mas do rock nacional: a devassa “Sodomia”, a já citada “Não Me Mande Flores” e a “joydivisioana” “Idéias Primais”. O lado B começa com o pop rock depressivo “Sobre Amanhã”, canção que muita banda da época gostaria de ter feito. Na seqüência vem “Alguma Coisa”, uma mistura de Sonic Youth com D. Juan de Marco (Você sabe que seu corpo é minha terapia particular/Não importam as posições e muito menos as condições). Duas outras canções que também merecem destaque do lado B são “I Am An Universe” e “Tinha Um Guarda na Porta”. Para terminar, alguns registros que se fazem necessários: 1) O disco seguinte, de 1988, que, tal qual o primeiro, é homônimo, faz-se tão essencial quanto o anterior; 2) Em 1996, a BMG Ariola lançou em cd uma compilação com as músicas dos dois primeiros discos da banda; 3) A formação original figurou apenas nos dois primeiros discos; 4) Há muitos outros álbuns gravados pela banda (que ainda está na ativa) com outras formações, mas longe de serem representativos como o primeiro o foi; 5) De Falla, a banda, foi um grupo de rock de origem gaúcha formada em 1984 que possuía em sua formação original Edu K. (voz, guitarra, órgão, scratch), Biba Meira (bateria), Flávio Santos (baixo) e Castor Daudt (guitarra), sendo uma das mais influentes do rock brazuca, muito embora sem o reconhecimento devido; 6) “De Falla”, o álbum, é um petardo sonoro para ser ouvido alto, e por várias e várias vezes, já que há nele um sem número de minúcias à espera de uma audição mais acurada; 7) “De Falla”, o álbum, deveria ser tratado como objeto de culto por parte dos apaixonados pelo bom e velho rock´n´roll. Quem sabe um dia o seja.
"De Falla" - BMG Ariola - Selo Plug - 1987
Lado A
01-Ferida
02-O Qué Icho
03-Sodomia
04-Papapapaparty
05-Grampo
06-Não Me Mande Flores
07-Idéias Primais
Lado B
01-Sobre Amanhã
02-Alguma Coisa
03-Melô do Rust James
04-Jo Jo
05-I´m Am An Universe
06-Tinha Um Guarda na Porta
07-Trash Man
08-Gandaia

2 comentários:

Alexandre disse...

Fala xará!
É isso. Se trocar sua cidade pela minha (Petrópolis - RJ) nesse post, podia ser também um pedacinho da minha história. Que disco, cara, que disco!
Valeu e vou nessa ao som de At the Drive-in.
Abraço

http://keesptrong.wordpress.com

Lobão disse...

Tb fiquei de cara quando ouvi este disco! Lembro como se fosse hoje. E um disco - junto com o segundo disco - que tem uma influencia decisiva sobre a geracao de bandas brasileiras que viria a florescer nos anos 90, como o Planet Hemp, por exemplo, que cita "Repelente" em uma de suas musicas.

Infelizmente a gravadora editou os dois discos em somente um cd, onde ficou faltando algumas vinhetas e ate musicas, eu acho.

Voce conhece alguem que tenha a bolacha em mp3 para disponibilizar na web?