domingo, 20 de maio de 2007


RADIOHEAD - OK COMPUTER
A Contemplação do Ser Humano Moderno em Doze Arrebatadores Instantes


Thom Yorke nasceu em Wellingborough, na Inglaterra, em 1968. Seu contato com a música começou aos 10 anos, em Oxford, e aos 14 fundou a banda “TNT”, com o baixista Colin Greenwood. Cinco anos depois, a evolução natural do “TNT” foi o grupo “On a Friday”, que incluía o guitarrista Ed O´Brien e o baterista Phil Selway, além de Colin, que permanecera com o antigo colega. O nome da banda, porém, não agradava nem gregos nem troianos. Por isso o pessoal tratou de mudá-lo, escolhendo o nome definitivo, a partir da canção “Radio Head”, do álbum “True Stories”, do Talking Heads. Nessa época, já havia se juntado ao grupo o guitarrista Jonny Greenwood, irmão de Colin. “Pablo Honey” foi o primeiro álbum do grupo, gravado em 1993. Puxado por “You”, “Anyone Can Play Guitar” e principalmente pela mais doentia balada já escrita, “Creep”, o álbum mostrava ao mundo que o Radiohead era uma banda promissora, dotada de grande personalidade. Dois anos depois, a banda lançou um dos principais álbuns da primeira metade da década de 90, “The Bends”, composto por doze canções magistrais. Com “The Bends”, o Radiohead ganhava a atenção definitiva do público (com seus 2 milhões de cópias vendidas) e da crítica especializada. Apenas como curiosidade, foi graças a “Fake Plastic Trees”, desse álbum, que o Radiohead começou a ficar conhecido aqui no Brasil. Isso graças à inserção da canção em uma propaganda/campanha sobre a síndrome de Down, que possuía como protagonista um menino chamado “Carlinhos”. Logo, o pessoal que curtia música, aguçado pela curiosidade, queria saber que música era aquela da “propaganda do Carlinhos”. A partir disso, o nome Radiohead começou a ficar conhecido por essas plagas. “The Bends” é um álbum que, além de ser importante musicalmente, foi o primeiro passo para Thom e seus comparsas exporem questões como a solidão, a tecnologia, o consumo. A bola estava erguida. Em 1997, o Radiohead retoma essas questões, mas de forma muito mais aprofundada e madura, com sua obra-prima, “Ok Computer”. Com esse álbum, o Radiohead conseguiu o que muitas bandas tentaram, mas por medo ou incompetência não conseguiram: transitar do rock para uma experimentação sem cair no excesso, o que poderia gerar enfado e/ou descaracterizar a sonoridade do grupo. Foi uma passagem lenta e gradual que ganhou espaço maior nos álbuns seguintes, porém isso é assunto para outro texto. “Ok Computer” é considerado como um dos melhores discos da década de 90, bem como um dos melhores de todos os tempos pelas várias eleições de setores especializados, como revista, rádios etc., ou não. O álbum foi aclamado pela crítica tendo sido reconhecido como o melhor do século pelos leitores da revista inglesa “Q”. Não à toa o álbum foi apelidado de “o ‘Dark Side of the Moon’ dos anos 90”. E o que faz esse álbum ser qualificado de obra-prima? Para responder de pronto, penso que é a perfeita simbiose entre as letras (ácidas e tristes) e a capacidade musical do grupo, ali explorada à exaustão, já que nada é excessivo, TUDO tem razão de ser. Toda nota, instrumento, ruído soam como se fossem peças essenciais de uma máquina, que caso faltassem ou trabalhassem de modo mais lento ou mais rápido terminariam por causar algum dano. Esses fatores, portanto, permitiram que a maior banda de Oxford fizesse um álbum perfeito, do começo ao fim. Insante 01 - O álbum começa com “Airbag”, um poderoso rock, tocado de forma “suja”, no qual o protagonista, depois de ter sido salvo por um airbag, passa a crer que sua missão é a de salvar o universo. Nela, já é possível detectar “ruídos estranhos ao rock”, que marcariam a construção de todo o álbum. Instante 02 - “Paranoid Android” começa com o dedilhar de uma guitarra, no melhor estilo de uma canção pop, com Yorke cantando de forma suave, explorando toda sua qualidade vocal. Com um pouco mais de dois minutos e meio, a canção se altera bruscamente, ganhando peso, com a voz de Yorke acompanhando tal reviravolta. O que se tem no minuto seguinte é um rock and roll tresloucado, descontrolado que vai te sugar para dentro dele. E quando a sensação é de desespero, tudo se altera novamente. Uma sensação de paz te atinge o peito. Você é tomado pela quietude e pela serenidade. Emoção pura. Mas aí, quando você acha que tudo vai acabar dessa forma, a sinfonia de ruídos e “sujeiras” retoma e segue até o final da canção, te oferecendo um norte caótico. Uma das maiores canções de todos os tempos, sem exagero. Instante 03 - “Subterranean Homesick Alien” é uma canção calma, de teor onírico, belíssima. Sua letra ilustra a proposta do álbum e mostra como as letras se constituem em um dos pilares para que a “Ok Computer” seja atribuída a qualidade de obra-prima. “Vivo em uma cidade onde não se pode cheirar nada. Bem acima, aliens pairam, fazendo filmes caseiros para suas famílias sobre todas essas criaturas estranhas que trancam seus espíritos, perfuram buracos em si mesmos e vivem para seus segredos. Eles estão todos tensos. Eu gostaria que eles descessem em meu caminho tarde da noite quando estou dirigindo. Embarcassem-me em sua linda nave e me mostrassem o mundo como eu gostaria de vê-lo. Contaria a todos os meus amigos mas eles nunca acreditariam em mim. Pensariam que eu finalmente enloqueci completamente. Eu mostraria-lhes as estrelas e o sentido da vida. Eles me trancafiariam longe. Mas eu estaria bem.” O que mais escrever? Não há tempo mínimo para se recuperar, já que na sequência, você é abençoado com “Exit Music (For a Film)” (Instante 04). Não há como deixar de se emocionar. Yorke murmura, cantando no melhor clima Romeu e Julieta moderno: “Hoje nós vamos fugir. Arrume as malas e vista-se, antes que seu pai nos ouça, antes que todo o inferno desabe”. Sobre a canção mais triste e mais bela do álbum, com a palavra o próprio Yorke: "Ela foi feita para ditar o clima do disco. Fizemos a canção em cinco horas. Então levei ela para casa, toquei e chorei.'' Instante 05 - “Let Down” é terno, suave e brando, musicalmente falando. Embora seja uma delícia de música, sua letra expõe a acinzentada rotina de um urbanóide: “Transportes, motovias e trólebus. Andando e então parando. Decolando e aterrissando. A mais vazia sensação. Pessoas desapontadas, apegando-se a frascos. E quando chega é tão decepcionante. Decepcionado e abandonado. Esmagado como um inseto no chão. Decepcionado e abandonado.” Na seqüência, vem “Karma Police” (Instante 06). Conduzida por um belo piano, a canção reveste-se de esquizofrenia, de paranóia, já que “aquele que é diferente” tem que ser “consertado” no melhor estilo funcionalista: se a sociedade é uma máquina e os indvíduos são peças dessa máquina que para se reproduzir deve contar com seu funcionamento perfeito, as regras, o controle, o Estado existem exatamente para consertar a peça defeituosa e trazer a harmonia para a sociedade. “Prenda este homem, ele fala em matemáticas, ele zumbe como uma frigideira. Ele parece um rádio fora de sintonia. Prenda esta garota, seu penteado de Hitler está me deixando doente. E nós acabamos com a festa dela. Isto é o que você ganha. Isto é o que você ganha. Isto é o que você ganha. Quando você mexe com a gente”. A música começa calma, até, para culminar inquieta, pertubadora, exasperada. Instante 07 - “Fitter Happier” é uma espécie de vinheta, que sintetiza e simboliza a proposta do álbum. Um computador dita regras para que o indivíduo possa ser mais saudável, mais feliz e mais produtivo, tais como não beber, frequentar a academia, ter uma alimentação saudável (“nada de microondas e gorduras saturadas”), ser um motorista paciente, checar com freqüência o crédito no banco, não colocar água fervente nas formigas, lavar o carro (mesmo aos domingos), ser um membro informado e ativo da sociedade, não chorar em público, entre outras regras. Constantemente o indivíduo é mais e mais cobrado por seus pares para que ele se adapte às regras do mundo no qual se insere. A questão é: o que isso provoca em termos físicos, morais e psicológicos quando tal exigência não é conseguida? Obviamente a confiança em si mesmo se desfaz. E isso contribui para tornar o indivíduo "menor" perante à sociedade e por vezes perante a si mesmo. Instante 08 - “Electioneering” é pauleira rock and roll de primeira. Camadas de guitarras, que fogem do padrão musical do álbum até aqui, servem de base para Yorke cantar a desfaçatez contida nas campanhas políticas. A canção seguinte opõe-se completamente à anterior: "Climbing Up The Walls" (Instante 09), começa serena, com Yorke cantando em tom lamurioso, para gradativamente, ser acrescida de um elemento ali outro aqui, até explodir, no melhor estilo pós-rock, em uma contagiante “sujeira sonora”, com Yorke urrando ao final da música. Sobre essa canção, diz o autor: "Esta é sobre o inexplicável''. Talvez seja sobre o inexplicável que nos habita e que fica à espreita, esperando o menor descuido de nossa parte para dar o bote". Quem sabe? Instante 10 - “No Surprises”, embora pareça, no início, uma canção de ninar, é pura claustrofobia. Retrata o que pode acontecer com sua vida, a partir do momento que você segue aquelas tais regras: “um coração cheio feito um aterro, um emprego que te mata lentamente, feridas que não vão cicatrizar, você parece tão cansada e infeliz, (...) eu vou levar uma vida tranqüila, um aperto de mão, um pouco de monóxido de carbono, sem alarmes e sem surpresas”. Essa canção conta com um clipe que retrata fielmente a tal claustrofobia da canção. Instante 11 - “Lucky” é uma das mais lindas canções do Radiohead e da trilha sonora da minha vida. Mantendo o padrão musical da anterior, essa canção retoma o propósito do tal cara da primeira canção, aquele que foi salvo pela airbag e que quer salvar o mundo: “Mate-me Sarah, Mate-me novamente, com amor. Este vai ser um dia glorioso. Tire-me da queda de avião. Tire-me do lago. Porque eu sou seu super-herói”. Canção que pode ser ouvida um dia inteiro seguido sem produzir cansaço (caso você tenha tempo pra isso, a não ser que você passe o tempo todo cumprindo regras). Instante 12 - “The Tourist”, que encerra o álbum, é uma canção límpida, musicalmente falando. A sua melhor definição vem do próprio Yorke: ''Tem certos dias em que minha mente funciona tão rapidamente que eu não consigo controlá-la. 'The Tourist' é um tipo de prece que eu fiz para fazê-la parar." “Ok Computer” é a trilha sonora dos dias hodiernos. “Ok Computer” é lírico, áspero, melódico, visionário, sufocante, doloroso, triste, eufórico. “Ok Computer” manifesta uma atmosfera bela e singular. Bela pois produz um fascínio instantâneo assim que sua musicalidade nos é introjetada. Singular pois traduz, em linguagem própria, com texturas musicais originalíssimas, um cenário física, moral e psicologicamente desconcertado, mostrando os efeitos maléficos que o individualismo, a solidão, o consumo podem causar ao ser humano. Por ser engolido pela tecnologia, por fazer parte de processos sociais cada vez mais competitivos, por ser objeto de constante controle por parte de um poder/Estado, o indivíduo se limita a (re)produzir, tal qual um autômato (já que não se reconhece mais), as regras, os objetivos, os valores que são exigidos para que ele se mantenha “funcionando”, tudo isso em detrimento dos sentimentos, e por vezes da ética e de valores outros como a cooperação e a solidariedade. “Ok Computer” é modelar, é referencial, é indispensável.
Banda: The Verve
Canção: The Drugs Don't Work
Site:
http://www.theverve.co.uk

Surgido em 1990, na onda do Brit Pop, a formação original do Verve contava com Richard Ashcroft (vocal e guitarra), Nick McCabe (guitarra), Simon Jones (baixo) e Peter Salisbury (bateria). Sua – curta – carreira durou exatos 10 anos, 3 álbuns, 2 compilações e uma “tantada” de singles e eps. Sobre os álbuns, o primeiro foi “A Storm in Heaven”, de 1993, do qual se destaca o hit “Slide Away”. Dois anos depois foi a vez de “A Nothern Soul”, com as matadoras “This is Music” e “History”. E por fim “Urban Hymns”, de 1997. De cara, o que posso dizer sobre esse álbum é que com certeza ele estaria na minha lista dos 20 maiores álbuns de todos os tempos. De longe é o melhor álbum da banda e o mais acessível, musicalmente falando (tanto que vendeu mais de 7 milhões de cópias). Teve gente na imprensa britânica que comparou “Urban Hymns” a "Closer", do Joy Division. Exageros à parte, o álbum é todo norteado por arranjos de cordas, baladas e letras depressivas ou de desafogos, como no caso da canção indicada, que trata do desapego por parte de Richard Ashcroft em relação às drogas. Um álbum para ser ouvido, assimilado, dissecado. Após uma série de brigas, desgastes e pressões, a banda terminou em 1999. Ashcroft segue carreira solo, mas nem de longe conseguiu em seus álbuns solos compor uma única canção que fosse como quando da época do The Verve. Fiquem com o clipe da bela canção "The Drugs Don´t Work".