segunda-feira, 5 de março de 2007


MUDDY WATERS – ELECTRIC MUD
A reconstrução do blues pela psicodelia como receita para o regozijo.

Muddy Waters, cujo nome verdadeiro era McKinely Morganfield, nasceu em 1915, no Mississipi e começou na música aos 13 anos tocando gaita de boca; ao ouvir os álbuns do mito Robert Johnson, voltou sua atenção ao violão slide e a partir dos 17 anos iniciou sua carreira. Em 1944 “descobre” a guitarra elétrica e a troca por seu violão, assumindo-a enquanto seu instrumento definitivo, sendo um dos responsáveis pela eletrificação do blues. Considera-se que Waters, antes de qualquer artista de renome, foi quem tocou de forma brilhante uma guitarra elétrica, o que acabou inspirando artistas que surgiram depois dele, como Jimi Hendrix, Santana, Keith Richards, entre outros. Sobre sua influência, ela não pára por aí. Os Rolling Stones homenagearam seu ídolo ao adotarem como nome da banda o título de uma de suas canções (o single “Rollin´Stone”, gravado em 1950). Um dos maiores sucessos do Led Zeppelin, “Whole Lotta Love”, foi baseado na canção “You Need Love”. Além disso, vários outros cantores e bandas regravaram uma porção de suas canções bem como foram extremamente influenciados pelo Buda Negro, como o chamava outro rei do blues, B.B. King. “Electric Mud”, gravado em 1968, foi o oitavo álbum de uma extensa discografia. E o que o faz tão especial e único? De cara, como o próprio título indica, há a expectativa de muita guitarra elétrica. O que se confirma. Mas o “muita” nesse caso não tem a ver com a quantidade, mas com a qualidade. E essa guitarra é tocada de forma “suja”, agressiva, exaltada, “violenta”, exatamente pela influência dos arranjos psicodélicos de Jimi Hendrix. Para construir o álbum, Muddy Waters toma canções já gravadas em outros momentos (seja por ele, seja por outros) e as reconstrói, imprimindo um teor psicodélico que transforma as canções em algo melhor do que as gravações originais. De cara, Waters oferece duas canções de outro mestre do blues, Willie Dixon (que já haviam sido gravadas no seu álbum de estréia, "The Best of Muddy Waters", de 1958). Ou seja, um álbum que se inicia com duas canções re-regravadas de Willie Dixon sugere que muita coisa boa pode estar por vir. “I Just Want to Make Love to You” nos arremessa para uma dimensão “hendrixiana”, desde a introdução, o acorde inicial e o primeiro verso. Jimi Hendrix em estado puro servindo de base para uma baita letra de Dixon na qual um homem busca justificar o porque de uma mulher em específico ir se deitar com ele. “I'm Your Hoochie Coochie Man” (que ganhou inúmeras regravações, inclusive com Jimi Hendrix) vem na seqüência, percorrendo o mesmo caminho da anterior, tão intensa quanto. Uma aula de blues elétrico. Ouçam e deliciem-se com os solos. Até aqui duas pauladas na nossa cabeça!!! E para o nosso bem. A terceira faixa é uma gratíssima surpresa. Quando você lê “Let´s Spend the Night Together” nos créditos do álbum, fica a sensação de que se trata de uma canção homônima, já que é meio que impensável imaginar se tratar de uma cover “daquela” canção dos Stones, basicamente por duas razões: primeiramente pelo fato de que a lógica seria a de que os Rolling Stones fizessem covers de Waters, e não vice-versa; em segundo lugar, a canção havia sido gravada em 1967, no álbum “Between the Buttons”, ou seja, além de ser recente, já estava devidamente registrada com a marca dos Stones (essa moda de “coverizar” tudo quanto é música é algo mais recente). Mesmo assim, Waters mete a mão na guitarra e a reescreve, de forma bem peculiar, tocando-a, cantando-a, levando-a em um ritmo um pouco mais lento do que a original. Genial! “She´s Alright” (composição do próprio Waters, gravada originalmente no álbum “More Real Folk Blues”, de 1967) é uma porrada sonora de mais de seis minutos e meio (muito mais do que seus 2:27 originais). Blues em sentido pleno, construído por uma guitarra avassaladora, que preenche toda e qualquer lacuna possível existente naquele espaço de tempo. E os solos? Pelamordedeus!!! O álbum poderia terminar aqui. Já estaria de bom tamanho. Afinal, após a audição dessas canções uma sensação de regozijo irá tomar conta de você. Porém há mais: uma regravação para uma das canções de blues mais legais, mais marcantes e mais regravadas de todos os tempos: "Mannish Boy" (que mereceu até uma gravação /tradução nacional feita pela banda “Made In Brazil”, chamada de “Mexa-se Boy”). O famoso “Oh Yeah” original de abertura é mantido. Porém, a bateria que seguia o riff de guitarra na versão original é substituída por outra, mais intensa, mais pesada, mais “rocker”, o que oferece à canção como um todo um vigor muito maior. Versão definitiva! Depois que a ouvi, a original (que ainda é sensacional) parece fraca, franzina, insossa, até. Essa é daquelas canções para se ter em qualquer coletânea de bom gosto. A canção seguinte é um clássico do R&B, composto por Sidney Barnes e Robert Thurston. Com uma introdução matadora, "Herbert Harper´s Free Press News" transformada em um explosivo rock and roll, mantém sua pegada do começo ao fim, contribuindo para a qualidade de exceção que o álbum “Electric Mud” contém. O álbum chega ao fim com mais duas “covers”: “Tom Cat”, de Charles Williams, e “The Same Thing”, também de Willie Dixon, duas excelentes canções, que encerram um álbum perfeito, construído de forma concisa, sem arestas, sem excessos. “Eletric Mud” é blues-psicodélico que te conduz para um éden sonoro, do qual, uma vez alcançado, não se pode voltar. Recomendo uma dose de “Electric Mud” todos os dias, pelo resto de suas vidas. Para o seu bem.

2 comentários:

Katacultura disse...

Grande texto, para um álbum excepcional. Muuito bom mesmo. Abração

Rock And Roll disse...

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Obrigado!